Carta Capital na Escola: Sobre o uso das REDES SOCIAIS na escola

Carta Capital na Escola: Sobre o uso das REDES SOCIAIS na escola


As restrições ao uso das novas tecnologias digitais no mundo da escola ainda são fortes, mas esse cenário tende a se modificar com o tempo. O professor acabará entendendo que lecionar não é mais uma via de mão única, e sim que o aluno tem muito a acrescentar em classe, sobretudo pela facilidade que as novas gerações têm ao usar o computador. As redes sociais podem e devem ser utilizadas dentro do contexto pedagógico, e não somente como formato auxiliar. Esses são alguns pensamentos do pesquisador em tecnologias na educação e coordenador associado do Núcleo de Informática Aplicada à Educação (Nied) da Unicamp, José Armando Valente, que trabalha com o tema desde 1983.

Valente é um raro exemplo de profissional que compôs seu currículo agregando as áreas de educação e engenharia à informática. Tem também o título de doutor em Filosofia pelo Departamento de Engenharia Mecânica e Divisão de Estudo e Pesquisa em Educação do Massachusetts Institute of Tecnologic (MIT). Nesta entrevista a Carta na Escola, Valente fala também da dificuldade que os governos nacionais têm em adaptar o currículo ao uso das novas tecnologias. “O Brasil não está preparado, mas não há país no mundo que esteja neste momento”, afirma.

Carta na Escola: O senhor é engenheiro de formação. Como surgiu o interesse em estudar a educação e associá-la à tecnologia?

José Armando Valente: Bom, fui formado como engenheiro mecânico e, desde a faculdade, eu mexia com computador. Fui ensinar computação na Unicamp e lá conheci um grupo que trabalhava com a tecnologia na educação – portanto, apesar de a tecnologia na escola ser um assunto maior há poucos anos, já se discute esses conceitos para sua utilização na escola há décadas. Em 1983, foi criado o Núcleo de Informática Aplicada à Educação, o Nied, que está na ativa até hoje e experimentou diversas fases tecnológicas. Naquela época, falávamos muito do computador para criar a linguagem operacional chamada Logo, desenvolvida por um pesquisador do MIT, nos Estados Unidos) e que dialogava com o construtivismo. Essa linguagem dizia que, em vez de a máquina instruir o aluno, é o aluno que deveria instruir a máquina. Então, nesse processo, você utilizaria conceitos que permitiram ao aluno aprimorar o próprio conhecimento aos poucos. Veja que não usamos mais o Logo há muitos anos, mas as redes sociais têm a mesma abordagem. Depois focamos mais na educação a distância e nos laptops educacionais, em situações que tornam o ensino mais abrangente e melhor.

CE: Por que é importante a escola abraçar o mundo das redes sociais?

JAV: Quando falamos em inclusão digital hoje, estamos nos referindo a um conceito um pouco diferente do que estivemos acostumados nos últimos anos. Agora não se trata mais de ter acesso à tecnologia, porque grande parte da população do Brasil já tem acesso a computadores através da escola, da lan house e do barateamento do computador pessoal. A questão vai além. Já é sobre como o sujeito se comporta no meio on-line e de como pode trazer essa tecnologia para tirar benefícios próprios. A importância da escola hoje é também ajudar as pessoas- a desenvolver essa habilidade. É um processo de formação de pessoas, que é justamente uma das missões da escola. Mais que fazer parte da internet, as redes sociais fazem parte da vida das pessoas. A escola deveria já estar lidando com isso ao incluir as novidades tecnológicas em seu aparato pedagógico. A partir daí, existe o conteúdo das aulas, que pode se tornar mais profundo com o auxílio de toda essa tecnologia.

CE: E de que maneira o uso dessa ferramenta pode fazer a diferença na educação de um estudante?

JAV: Hoje a escola está basicamente restrita a lápis e papel. O currículo dela é todo formado assim há muito tempo, os professores foram moldados dessa maneira. Só que hoje temos simulações digitais que formam novos mecanismos para se lidar com o conhecimento, tudo ao alcance do professor. Exemplos: há simulações muito difíceis de você criar utilizando somente a lousa e o giz, e que poderiam rapidamente ser feitos no computador. Estou falando de formas geométricas da Matemática, estou falando de terremotos e tsunamis na Geografia etc. Imagine também uma aula de História, em que você visita um museu on-line. Esses já existem, já há uma interação fantástica atualmente.

CE: E como o senhor avalia que as redes sociais poderiam ser usadas em sala de aula?

JAV: Imagine que os adolescentes usam bastante o Twitter. Esse fator já faz dele algo palatável para o professor utilizar em sala de aula, pois desperta um interesse natural. Por que o professor de Língua Portuguesa, por exemplo, não o utiliza para os alunos expressarem ideias em 140 caracteres? É um ótimo exercício de concisão, um trabalho de comunicação sintética que muitos alunos de doutorado não costumam ter. É fundamental saber resumir suas ideias no mundo de hoje. Isso também serve para professores de outras disciplinas, em circunstâncias similares. Agora, claro, o aluno precisa da ajuda do professor para utilizar a ferramenta didaticamente. Não é porque ele está no Twitter que vai sozinho usar da melhor forma possível.

CE: Mas já há professores que usam -blogs, por exemplo, não?

JAV: Sim, mas muitas vezes não é um bom uso, ou é um uso incompleto. Serve mais como apoio de material, o blog não está incluso para valer na maneira de dar a aula.

CE: O aluno tende a ter mais interesse ao identificar uma ferramenta que ele usa diariamente?

JAV: Sim, mas depende muito se você tem um uso correto da tecnologia. Se você usa mal, sem conseguir agregá-la ao material didático, não adianta. O aluno precisa captar que aquilo está sendo útil para ele. Infelizmente, ainda há essa distância entre a escola de hoje e a vida fora dela, os alunos lidam pouco com o lápis e o papel.

CE: É comum professores serem refratários à ideia de inclusão da internet em sala de aula, principalmente porque conhecem menos essas ferramentas que a maioria dos alunos, que foram criados com elas. Como adaptar os professor sem traumas?

JAV: Fazer parceria com os alunos é a melhor forma, sem dúvida. Uma coisa que deve ficar claro é que a educação na era digital é bastante colaborativa, envolve interação e compartilhamento. Não pode existir mais aquela situação em que o professor se prepara para entrar na classe e dar um show-solo. Ele tem de sair do pedestal, a internet não tem nada a ver com isso e, uma vez que ela esteja presente em sala de aula, essa relação muda. Então você pode pedir auxílio para os alunos que têm o conhecimento daquelas ferramentas, que já entendem tudo da parte tecnológica, porque cresceram mexendo -naquilo. O bom professor é aquele que vai aproveitar esse conhecimento do estudante, trazê-lo para a sala de aula e definir como aquele conteúdo vai fazer parte da vida do estudante. Perceba como isso é importante do ponto de vista educacional.

CE: Que casos positivos servem de exemplo da inclusão das redes sociais na sala de aula?

JAV: Lembro de um caso bem-sucedido que foi durante a moda dos flashmobs. Os alunos estavam nessa onda e os professores organizaram uma tarefa multidisciplinar, na qual os alunos tinham de preparar um evento desses. Há a concepção artística da coisa, há a resolução de problemas para que se concretize o flashmob, aí tem o professor de Matemática que explora as figuras geométricas etc. Os alunos se empolgam.

CE: Os dirigentes do ensino brasileiro têm se preparado para isso? Como o senhor avalia as políticas públicas para tal?

JAV: Não, eles não estão bem preparados, mas esse não é um fenômeno exclusivo do Brasil. Para falar a verdade, é do mundo inteiro. Não há um só país que já tenha todo um programa de utilização das novas tecnologias no universo educacional e que já esteja em pleno funcionamento. Vejo que, na Inglaterra e nos Estados Unidos, há casos isolados entre escolas e grupos de pesquisas, mas nada que se caracterize como uma política pública. O problema é que essas mudanças curriculares não podem simplesmente ser feitas de cima para baixo. Não adianta o Ministério da Educação dizer que a partir de agora o ensino brasileiro vai ser totalmente dentro da era digital se o professor que está lá em baixo da cadeia não participa, se a escola não está preparada etc.

CE: E qual é a alternativa a isso?

JAV: Com o tempo essa interação da escola tende a crescer, mas o fato é que os administradores da política pública têm de se reunir com os professores, que estão no dia a dia da sala de aula e sabem muito bem o que os alunos estão trazendo em termos de novidades. Entendendo o que os professores enfrentam, você consegue assimilar as novidades e as melhores maneiras de incluí-las no currículo.

CE: Mas a velocidade das mudanças das políticas educacionais é lenta, pode ficar décadas sem mudar. E a tecnologia muda em questão de meses. Como conciliar isso?

JAV: De fato, a política nunca vai dar conta de acompanhar o desenvolvimento tecnológico. Agora, o papel da política é preparar todos os personagens do ensino para a flexibilidade que virá do desenvolvimento tecnológico, de mostrar sobre como se preparar para ele. Essas bases são extremamente importantes não só para o mundo escolar, mas também para a nossa sociedade. Cada grande mudança de tecnologia dessas contém uma forte concepção educacional. Portanto, a política não vai acompanhar o avanço tecnológico, ela deve preparar o terreno para que aconteça.
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GRACA SANTOS

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